Foi na Primavera, quando pela chaminé da casa do Cidadão, se começaram a ouvir uns chilreados…para lá são enviados os vapores da confecção de alimentos e a exaustão do esquentador a gás… ao fim de alguns dias, esses barulhitos aumentaram de intensidade e não havia nascer de Sol em que o Cidadão tivesse de tomar o pequeno almoço sem a companhia de tal algazarra! Volta e meia umas palhitas e outras plumas caíam sobre o fogão, exasperando o Cidadão, dando-lhe ganas de subir ao telhado afim de pôr côbro àquela chinfrineira, mas depois, reflectia… isto é vida! Isto é a vida a eclodir! Não! Mas quem se julgava o Cidadão para terminar com as pequenitas vidas, desfazendo um ninho de pardais? Sim, porque um ninho dará trabalho a construir, em palhinhas entrelaçadas, barro, retalhos de tecido e plumas, numa laboriosa perfeição da natureza… e a vida não se mede pelo tamanho das asas ou do corpo que habita! Não seria por motivos de sobrevivência, mas sómente por uma questão de comodismo e sossego, que o Cidadão faria um trabalho desses! E assim, os pardalitos foram convivendo e habitando com o rapaz! Chegavam a invadir-lhe a privacidade, ao encontrarem porta ou janela abertas… nessas ocasiões, a gata Cristie fazia jus dos seus dotes de caçadora e, com jeitinho, vinha depositar delicadamente os bicharocos nas mãos do Cidadão, da Companheira ou dos Juniores, todos babados, tremidinhos e de pulsação acelerada, mas ilesos, e depois eram devolvidos ao espaço exterior! Durante o tempo quente, o Cidadão acabou mesmo por colocar na varanda, um pequeno bebedouro invertido, acompanhado de uma tigela, onde deixava alpista, ou pedacitos de pão! Venciam-se semanas, com o Cidadão habituado ao ruidoso despertar da natureza, quando, certo dia, sentiu um chilrear diferente… mais curto… fraco… e fino, cruzado com as algazarras da passarada! Se há sentido que o Cidadão tem bastante apurado, é o da audição, devido a ancestrais experiências e necessidades, quando, de pequeno, se embrenhava nas savanas onde os meninos Africanos lhe davam a provar fuba e mandioca! Motivo da grande “pancada” pelas difíceis caminhadas… embrenhado em zonas ripícolas, nas matas, nos vales profundos, progredindo nas margens de ribeiras… trepando montanhas! Ainda o bicho se ocultava a umas boas dezenas de metros e já o Cidadão o detectava! Mesmo um réptil! Dons… Voltando ao assunto, esse chilrear foi ganhando força, alvorada atrás de alvorada, como se de uma família numerosa e feliz se tratasse!
fico velho
vou marchar até ao fim
isolado
Nesta marcha solitária
dou o corpo ao avançar
neste campo aberto ao céu
Eu não quero ficar parado
fico velho
vou marchar até ao fim
isolado
Nesta marcha solitária
dou o corpo ao avançar
neste campo aberto ao céu
Ninguém sabe
para onde eu vou
ninguém manda
em quem eu sou
sem cor nem Deus nem fado
eu estou desalinhado
Por tudo o que lutei
ser sincero
por tanto que arrisquei
ainda espero
Esta marcha imaginária
quantas baixas vai deixar
neste sonho desperto?”
