Um blogue que tem por objectivo desancar nas situações que ao Cidadão se lhe afigurem erradas ou desadequadas à vivência social, recorrendo a bons modos metafóricos, satíricos e humorados. A sua leitura é desaconselhada a maldispostos crónicos, a cinzentões e a mentalidades quadradas. Classificado como substância psicoactiva passível de dependência, poderá induzir micções involuntárias no indivíduo. Recomenda-se pois que o seu consumo seja doseado com moderação...
.
Este militante anti-cinzentista adverte que o blogue poderá conter textos ou imagens socialmente chocantes, pelo que asua execução incomodará algumas mentalidades mais conservadoras ou sensíveis, não pretendendo pactuar com o padronizado, correndo o risco de se tornar de difícil assimilação e aceitação para alguns leitores! Se isso ocorrer, então estará a alcançar os seus objectivos, agitando consciências acomodadas, automatizadas, adormecidas... ou anestesiadas por fórmulas e conceitos preconcebidos. Embora parte dos seus artigos possam "condimenta-se" com alguma "gíria", não confundirá "liberdade com libertinagem de expressão" no principio de que "a nossa liberdade termina onde começa a dos outros".(K.Marx). Apresentará o conteúdo dos seus posts de modo satírico, irónico, sarcástico e por vezes corrosivo, ou profundo e reflexivo, pausadamente, daí o insistente uso de reticências, para que no termo das suas análises, os ciberleitores olhem o mundo de uma maneira um pouco diferente... e tendam a "deixá-lo um bocadinho melhor do que o encontraram" (B.Powell).Na coluna à esquerda, o ciberleitor encontrará uma lista de blogues a consultar, abrangendo distintas correntes político-partidárias ou sociais, o que não significará a conotação ou a "rotulagem" do Cidadão com alguma delas... mas somente o enriquecimento com a sua abertura e análise às diferenciadas ideias e opiniões, porquanto os mesmos abordam temas pertinentes, actuais e válidos para todos nós, dando especial atenção aos "nossos" blogues autóctones. Uma acutilância daqui, uma ironia dali e uma dica do além... Ligue o som e passe por bons e espirituosos momentos...
OSol descia lentamente por detrás do maciço urbano, à esquerda daquela imensa planície de água ondulante… uma fragata velejando contra a corrente rumava a montante do estuário… lá longe… um cacilheiro fendia as águas apontando ao Terreiro do Paço.
Binóculos em riste… duas enormes colunas em mármore abriam os seus braços aguardando pela abordagem da embarcação… o Cais das Colunas.
Espreitando um pouco mais à direita, envoltas em verde tapete, apartando Alfama da Mouraria… as altaneiras muralhas de São Jorge, recortavam o avermelhado do horizonte… no frondoso bosque de betão aqui e além ponteado por torres sineiras, revelava-se a imponente cúpula de São Vicente de Fora, reportando o Cidadão para terras muçulmanas.
A ondulação murmurava seus segredos no escarpado rochedo ribeirinho… gaivotas emitiam repetitivos piares, desfechando voos rasantes àquele mar, erguendo-se das vagas com o contorcido peixe cravado em seus aguçados bicos… outras planavam no firmamento, como guardiãs do horizonte!
Canas osciladas por pescadores, lançavam o isco pelo espaço, acompanhado do silvar das linhas. De outras, chegava o matraquear de carretos rebobinando a presa. Pela direita, juntinho aos pés do Cidadão, um colorido bote de meia quilha com cerca de dez metros de calado aproximava-se sorrateiramente, impulsionado pela alva vela latina, insuflada de brisa ribeirinha… a proa oscilando acima e abaixo da linha chapinhava implacavelmente as águas numa suave dança marinha… seus timoneiros olharam o Cidadão acenando um adeus fraterno… um folheto publicitário entretinha-se a driblar os ventos rasteiros da marginal, indo repousar no sopé da amurada… o Cidadão baixou-se para o apanhar…aiii… aquela dorzita de costas fazia-se anunciar a todo o momento… do capote, retirou a esferográfica de tinta preta com que foi descrevendo uns rabiscos irregulares no verso do papel que a divina providência lhe proporcionara… tomaram formas e sentido… esboçava a magnífica paisagem interrompida pela imponente presença do bote.
Um automóvel chegou-se à margem… parou… no seu regaço, um jovem casal entregou-se a carícias de fim de tarde, satisfazendo desejos e paixões… de lá… brotava uma bela melodia que se esvaía no espaço, acompanhada da fina voz de Dulce Pontes invocando a canção do mar...
O tempo escorria afoito, brindado por refrescante brisa salgada… aquela imensidão de água espraiava-se em tons alaranjados reflectindo a despedida do Sol… a ondulação, aumentou um pouco mais…
Em suporte digital, Dulce Pontes fez-se sentir vezes sem conta… outro cacilheiro regressava, surgido do infinito… tal aeronave tracejando o céu azul com seu branco rasto… e aquele mar… ondulante… envolto em labaredas de fogo rasteiro, proporcionava um quadro de Malhôa… sugerindo luminosas searas trigais em planície alentejana… palha ondulante… o Mar da Palha… entretanto o ruidoso chilrear de uma colónia de pardais ocultos na folhosa copa da amoreira denunciava o regresso do Outono… tempo de crise… crise de valores, crise de princípios, crise económica.
Na outra margem, envolvendo Dom José em seu cavalo, homens e mulheres envergando fatos cinzentos e acomodados em escuros cadeirões, decidiam os desígnios deste país!
Algures neste Portugal clama-se o “112”… desespera-se por alguém que atenda… perdem-se minutos com minuciosos questionários… transferem-se chamadas... aguardam-se outros tantos minutos, repetem-se inquéritos… as vitimas agonizam de dôr… o tempo urge… o sangue corre… a vida escorre… os minutos passam lentos… e as vidas fogem rápidas… aumenta a aflição de quem assiste… os ânimos exaltam-se… os inquéritos prosseguem… do outro lado duvida-se, do outro lado, insinua-se… o desespero toma conta de quem assiste… a paciência esgota-se… as vítimas desfalecem… em prol da racionalização de meios… não se desperdiçam verbas… enquanto os agonizantes sentem o estado a descontar-lhes nas almas…
Gestores e administradores desfrutam os dinheiros dos clientes, viajam, prostituem, divertem-se, desperdiçam em mordomias… faustosos jantares… carros topo de gama… moradias luxuosas… e partilham os milhões com dezenas de amigos… seca a teta… vão à falência… e o estado socorre!
O Estado salva!
O Estado ajuda!
Esse Estado que racionaliza os recursos humanos, esse estado que questiona antes de socorrer… que duvida do sofrimento do seu povo… que envia o paciente em crise de ataque cardíaco… entregue a si mesmo e ao volante do próprio automóvel… de um, para outro hospital com melhores recursos… o mesmo estado que amarra a vítima ao banco da ambulância por escassez de meios, o tal estado que encerra maternidades permitindo que se dê á luz na berma da estrada e promove clínicas de aborto… esse estado que tanto poupa em recursos humanos para desperdiçar milhões na salvação dos desorganizados banqueiros, tem o dever moral de explicar aos seus contribuintes, quanto trabalho será necessário para salvar esses senhores!
Porque as receitas desse estado são provenientes dos cidadãos que passam esforçados sacrifícios para cumprirem com os seus deveres, verbas que são arrancadas àqueles que produzem, á população activa que constrói o país onde reside! E quando aqueles que nos governam vêm falar de crise, antes se lembrem de nos prestar tais explicações!
Um manto escuro envolve a paisagem… acendem-se luzes amarelas pelo correr da marginal… um skatter em estilo heavy-metal, imprimindo forte rotação na sua prancha, circula absorto em seus pensamentos… pontinhos tremeluzem no convés dos distantes navios … uma cascata de luz vai crescendo no horizonte… a cidade prepara-se para as trevas… um leve aroma a nafta faz-se notar… a buzina rouca e profunda de um navio revela-se distante… nas águas escuras pressente-se o chapinhar de um peixe… será uma linda sereia?
Um cão sarnoso, caminha torcido pela marginal… a brisa arrefece cada vez mais… é a maresia.
O Cidadão enterra o boné… arrebita a gola do capote, saca da carteira de Captain Black e carrega a chaminé do cachimbo… calca… com o isqueiro, atiça o lume… uma baforada… outra… até que ferra, crepitando o fogo no palhuço do tabaco… forte aroma envolve o espaço… descontrai… o tempo passa… das estreitas e escuras ruelas surge um grupo de alegres e ruidosos rastafaris… aproxima-se…
-Yá men, tens lume?
-Oh, boa noite… toma… chega aqui a mortalha…
Com o aconchego das mãos se acendeu mais um cigarro…
-Fixe meu! Tá-se bem!
-Curtes, mêmo! Numa bôa…
-Thanks, men! Vamos bazar…
-Djá!
O Cidadão contempla aquele infinito horizonte urbano… esta… e a outra margem… vai derretendo o tempo… quantos rios no mundo existirão… cada um com suas margens… as deste rio e as dos outros! Rios de vida… rios de aventura… rios de memória… rios de sonho… rios de alegria… rios de tristeza… rios de guerra e de paz… rios de fome… rios de miséria e rios de fartura… rios de doença… todos os rios têm duas margens… uns transponíveis… outros… talvez NÃO!
Vem-lhe à ideia o quanto está distante de casa… da família… perdeu-se… tem que regressar… não nesse dia… o Cidadão é pequeno na imensidão deste mundo!