MEGAPRAXIS
Nos últimos meses
têm-nos chegado tristes notícias sobre os trágicos desfechos de determinadas praxes
académicas que deliberadamente ou não, trocam a integração pela humilhação.
A
praxe tem por objectivo integrar os novos estudantes, designados por caloiros, no
mundo académico para assim melhor conhecerem os meandros da casa que os acolhe e
ganharem confiança com os mais velhos, veteranos, que por sua vez os orientarão
nos primeiros passos, integrando-os num ambiente completamente diferente do
vivido até então.
Em
Portugal, a praxe académica surgiu no Século XIII, em 1291,
tendo o Largo do Carmo de Lisboa por cenário, com a
fundação da actual Universidade de Coimbra, sob o lema “Dura Praxis, Sed
Praxis” – a praxe é dura mas é
praxe.
Como
deveríamos saber, a mente humana tem bastante de positivo mas também encerra
algo de negativo que tal como as ervas daninhas em campo aberto, brotará logo
que se reúnam condições nesse sentido.
Ora,
os rituais de praxe são ambiente propício para que as mais fracas mentes
humanas extravasem o seu ego bem para além da mera troça e achincalho
infundados, ao ponto destas se transfigurarem em campos de rituais
maquiavélicos onde os seus autores dão largas as comportamentos sádicos, colocando
em causa a dignidade e a condição humana, sendo o grau de estupidez directamente
proporcional à educação hospedada nos seus incrementadores.
O
que diferencia o homem dos restantes animais é precisamente o primeiro ser
dotado de inteligência mais desenvolvida do que a dos segundos, inteligência tal que se
complementará de princípios básicos recebidos dentro dum sistema familiar, consistindo num dos pilares fundamentais da estruturação social que
parece desmembrar-se.
Hoje em dia não é difícil de nos depararmos com jovens que devido ao défice de atenção, afecto, cuidados e respeito dos progenitores
que sistematicamente os atulham em bens materiais e os despejam nos estabelecimentos
de ensino, degeneram bloqueios afectivos no subconsciente, deleitando-se
com o sofrimento, a desgraça e as dificuldades acumuladas ao
desejo de assistirem aos seus semelhantes dificultados no alcance do desejado, consistindo numa forma subtil de minimizar a sua infelicidade ao se sentirem bastante melhor dentro do seu ego perante a humilhação infligida a outrem!
Não tive atenções nem afectos que me preenchessem, portanto, vós, meninos e meninas que
vindes para aqui, também não os merecerão e como tal serei prepotente, déspota, supremo, altivo, duro, austero, cruel e implacável para convosco... que perante mim não passais de significativa escória humana...
Fomentarei o consumo exacerbado de álcool, especialmente de cerveja e promoverei em vós a mediocridade gratuita, o culto do arroto aliado ao machismo, a simulação de práticas sexuais, as sevícias corporais, a humilhação, a javardice e a pimbalhada do Quim Barreiros...
Depois de algum tempo recebendo formação académica, ainda assim determinados veteranos praxantes só entendem ser esta como a forma mais saudável de integrar os novatos no ambiente universitário!
Simultaneamente a uma espécie de bullying académico, para gáudio dos autores, cultiva-se bastante trogloditismo durante as praxes.
Ora,
é exactamente numa sociedade onde valores materiais vão ocupando o espaço reservado
aos valores morais que a mente humana tem tendência a produzir
comportamentos desviantes que inicialmente se traduzem na desestruturação dos
valores familiares que por sua vez descuram as gerações vindouras cada vez mais
vocacionadas para mundo da ostentação, só que não seja, cultivando do ego pela via
que se lhes depara mais acessível...
Não
sendo cá o Cidadão
um praticante fervoroso, porém entende que na sua essência, os movimentos de
cariz religioso, sejam eles de qualquer corrente teológica, em termos
colectivos vêm preencher e complementar este espaço da mente humana, orientando
os seus fiéis no caminho dos bons princípios e práticas sociais sim, porque se
não formos eremitas, estamos constantemente a partilhar o nosso espaço físico e
mental com outrem!
Como
cá o Cidadão frisou no início desta crónica, a praxe é
positiva desde que executada com regras, peso, medida, nunca descendo abaixo
da linha da dignidade humana e muito menos extravasando os limites do razoável, bem para além das noções espartanas de cariz militar.
A
vulgarização das faculdades, universidades e institutos politécnicos e o fácil
acesso aos mesmos, levou a que hoje, na sua regressiva frequência devido à austeridade económica
que vivemos, também as praxes se vulgarizaram ao ponto de muitas das comissões que
se deveriam incumbir em abalizar os limites do razoável, zelando pela ordem e
pela dignidade dos caloiros, perderam completamente a noção das suas funções,
tão só porque essas jamais lhes terão sido transmitidas, ao ponto de, a troco
da não ostracização dos novos estudantes, permitirem-se a rituais de
contornos puramente maquiavélicos na forma de sevícias e consequente a humilhação
física e psíquica dos seus súbditos, envolvendo contornos criminais, que
ressalvando as situações que redundam em tragédia, é fenómeno juvenil que vai
grassando descaradamente perante a indiferença das autoridades públicas, porquanto
estas práticas extremas já terão sucedido desde o Século XVIII quando D. João V decretou o fim das praxes depois
da trágica morte de um caloiro ou seja, ainda estaremos perante um ritual de
iniciação com características medievais.
Comparemos essa atitude à da permissividade revelada pelos nossos ministros face à sucessão de acontecimentos nada dignificantes nesta área e cuja gravidade vai aumentando de tom, ano após ano...
Seguramente afirmaria que são as fraquezas da democracia constitucional, aliadas à promiscuidade de interesses dos grupos comerciais onde coabita o amiguismo, tentando-se evitar que em situações críticas os responsáveis pelos estabelecimentos de ensino fiquem fora dos excessos.
Integrado
num grupo, facilmente o individuo se deixa afectar ao nível cognitivo na frequência da sua actividade mental, deixando de raciocinar por si,
submetendo-se aos ímpetos do colectivo, assim diminuindo a sua capacidade intelectual ao ponto de deixar de se reconhecer a si mesmo, enfim, de perder a sua identidade, contribuindo para uma espiral emotiva e autómata que nada tem a ver com o objectivo iniciático.
Há
comportamentos que só por si o individuo jamais assumirá devido a razões de
ordem inibitória e preconceituosa, mas quando integrado no colectivo, esses poderão extravasar
para áreas bastante perigosas, não só por razões de ordem psíquica como pelo
conflito entre energias e ondas cerebrais, alheando o grupo dos valores e princípios
morais e sociais, ao ponto de numa hipnose colectiva de ordem espontânea os
poder reduzir ao puro reptilianismo e consequentemente, perante uma sucessão de estímulos, conduzindo a comportamentos
puramente tribais tanto mais vincados quanto menor a consolidação de valores, desvanecendo-se logo que grupo se desfaz, e nesta geração tecnológica, um dos
expoentes máximos do primitivismo digital.
Estamos
perante um paradoxo da partilha social onde se vêm posto em causa os valores da
liberdade, da igualdade, da dignidade, da integridade física e dos mais elementares
direitos humanos ode no êxtase da espiral se transvasam todas as hierarquias sociais
ao extremo de nem se respeitarem os docentes?!
Não
havendo elemento capacitado de liderança positivista inserida no bom senso social, estes momentos poderão redundar em terríveis consequências
e são precisamente estas trupes de escroques sadomasoquistas desprovidos de
quaisquer valores, comandados por valentes Dux que depois de acontecerem as tragédias e chamados à responsabilidade, não passam de ratos assustados, sob amnésia total, que têm vindo a contribuir fortemente para a erradicação das praxes académicas!
No
contexto das praxes académicas podemos concluir sem grande margem de erro que
tudo é entregue "ao Deus dará" e enquanto estes comportamentos não forem sanados,
enquanto nos lembramos dos seis jovens que só numa noite perderam a vida na
praia do Meco, enquanto nos lembrarmos de uma vítima que seja, jamais qualquer
género de praxe terá razão de ser!
Assim se vão formando as novas gerações, excepto aqueles que por razões fúteis vão tombando pelo caminho...
Estará cá o Cidadão errado nesta breve reflexão?
Para mais opinião viaje até TRETAPRAXIS.
5 comentários:
"O que diferencia o homem dos restantes animais é precisamente o primeiro ser dotado de inteligência mais desenvolvida do que a dos segundos, inteligência tal que se complementará de princípios básicos recebidos dentro dum sistema familiar, consistindo num dos pilares fundamentais da estruturação social que parece desmembrar-se.
Assim se vão formando as novas gerações, excepto aqueles que por razões fúteis vão tombando pelo caminho...
Estará cá o Cidadão errado nesta breve reflexão?"
Caro amigo ciber cidadão abt.
Não poderia estar mais de acordo com esta sua análise diga-se breve reflexão. Através das suas palavras que mais parecem extraídas de um tratado de psicologia tal é analise levada á exaustão deste tema. Neste caso e tendo em atenção que não se tratavam de caloiros, mas sim de aspirantes a futuros líderes de praxes, tenho dever de informar que nunca fui e não sou a favor de qualquer tipo de iniciação ou praxe, para mim esta forma de integração é humilhante, há outras formas mais humanas e eticamente mais responsáveis de receber e integrar num determinado meio. Estas formas de fazer a chamada praxe são degradantes e improprias de pessoas civilizadas e como tal devem ser banidas, erradicadas e a sua prática denunciada e penalizada.
Um bem-haja.
Caro Tiri-ri:
O caso dos cinco estudantes tombados nas fileiras das praxes é um entre muitos que nos vão passando despercebidos ou vão caindo no nosso esquecimento.
Percebe-se pelo caso em apreço que em certas faculdades existirá uma hierarquia de praxes onde para se conseguir o "estatuto de praxante" ter-se-ão os candidatos que se sujeitar a praxes de elevado grau de violência!
Afinal determinados estabelecimentos de ensino superior estarão vocacionados para a transmissão de conhecimentos e formação de jovens ou vocacionados para outras práticas de foro ritualista e cariz obscurantista de contornos criminais?
Tendo em conta que este seu comentário foi redigido por alguém que viveu parte da sua vida inserido num regime militar, espartano, vedado à sociedade civil e onde as praxes tinham e têm vinculo, mas que salvaguardam a integridade física e a vida dos contemplados.
É um paradoxo relativamente ao que frequentemente se passa na sociedade civil onde o principal factor de descontrole e excesso assenta na falta de formação de muitos que se consideram parte integrante dessa mesma formação...
Entre outros temas e sabendo do que se vem passando na Universidade do Minho onde sob o mote das praxes até os docentes já vão sendo submetidos a humilhações por parte de cachopos, de modo algum poderia este Cidadão deixar passar em branco ou ficar indiferente a um fenómeno que encerra contornos de nulidade da educação que deveria ser administrada no âmbito familiar!
Obrigado pela visita a esta xafarica bem como para a sua predisposição em depositar aqui o seu comentário na medida que ultimamente, pese o número de visitas ultrapassar as 450 nas 24 horas seguintes a uma nova postagem e a frequência se manter na ordem das 60 diárias, o pessoal parece ter ganho frieiras nos dedos coibindo-se em comentar...
Caro Cidadão abt.
Num tempo em que as convenções internacionais se preocupam com os métodos de interrogatório aplicados aos prisioneiros de guerra, salvaguardando-lhes o credo e a mais elementar dignidade, estes episódios sinistros de determinadas praxes académicas fomentadas em Portugal mais se comparam a testes físicos e psicológicos para a formação de tropas especiais… isto num país onde entre varias razões, pesou a da objecção de consciência, foi abolido o serviço militar de cariz obrigatório!
Amigo cidadão abt ,estou inteiramente de acordo consigo.
Por que não alterarem as praxes de modo a facultar uma verdadeira in tegração na vida académica?
Praxe só terá sentido se implicar acompanhamento e apoio dos mais velhos ,respeitando a dignidade dos que entram num mundo desconhecido Não é a selvejaria desenfreada ,o buling que integra alguém....antes pelo contrário.
Se não houver capacidade para praticar uma verdadeira praxe de integração,então ,proibam-na .
Num país democrático não se pode aceitar o buling(e aquilo a que temos vindo a assistir não passa de verdadeiro buling)!
Foi com grande alegria que hoje li a notícia da proibição de praxes na faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Um abraço.
Maria Marques
Cidadão; "o pessoal parece ter ganho frieiras nos dedos coibindo-se em comentar."
Não ganhei frieiras nos dedos mas informo-o que continuo a seguir quasi religiosamente os seus excelentes artigos de opinião, bem fundamentados e sempre bem humorados.
Em pleno séc XXI, na era da comunicação e da informação que tornaram o mundo numa aldeia global, este tipo de práticas são completamente desfasadas.
Isto que se passou no Meco é o expoente máximo do laxismo que tem assolado os nossos representantes governamentais que apenas se vêm preocupando com os cifrões.
Entendo que os directores dessas universidades privadas também deveriam ser responsabilizados por toda a sua esfera jurídica pois não é só receberem o dinheiro das propinas e as comparticipações do erário público mas como todos sabemos, em Portugal a culpa tem tendência a morrer solteira e isso é tanto mais visível consoante o grau de afinidade dos delatores com as instituições públicas.
Diria que a morte de seis jovens numa só noite por praxe é um acontecimento extremamente grave, suficiente para que sejam radicalmente abolidas todas as formas de praxe.
Assim seria, se tivéssemos governantes dignos das suas funções.
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