A ALVORADA
Hoje
mais do que nunca, é importante recordarmos e fazermos passar às novas gerações
aquelas primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974, feitas de gente
determinada, corajosa e com alguma dose de loucura... gente farta dum regime
que nos era imposto!
Hoje,
os impostos e as ditaduras são outras, baseadas nos senhores do capital, mas com a mesma linhagem e tal como a avestruz, nós cidadãos deste Portugal subjugado e vendido aos interesses económicos, vamos enterrando a cabeça no areal...
Alfredo Cunha eternizou esses momentos de viragem com fotografias de que se apresentam aqui algumas réplicas remasterizadas cá pelo Cidadão abt.
“Era
vermelho e fresco como um fruto da estação e posto numa lapela, fazia um
figurão... tinha irmãos aos molhos, nascidos na mesma altura e, juntinhos
dentro d’água, pareciam uma pintura..
Uma
pintura a aguarela, feita por mão amadora... em dia de Primavera, sem perder p’la
demora...
A
florista do bairro tinha os cravos guardados... para festas de noivado e também
p’ra baptizados..
E
esse cravo de Abril, de vermelho tão vivo, olhava o mundo em redor com o seu
olhar altivo...
Mas
era um cravo triste, porque triste, era o país, e a sua tristeza ia desde o
caule à raiz...
Com
o destino traçado, planos já não fazia, ia manter-se viçoso pelo menos mais um
dia.
Depois,
que é sina de cravo, começaria a murchar, morrendo devagarinho sob o tecto do
luar...
capitão Salgueiro Maia
Mas
nessa noite acordou ao ouvir na telefonia, uma música bonita que anunciava
alegria...
Um
cantor chamado Zeca dizia no seu refrão, que era tempo de amizade com um travo de emoção...
Militares da EPC emboscados no Terreiro do Paço telas 7h30m de 25 de Abril de 1974
E
esse cravo de Abril ouviu marchas militares e viu sair soldados entre vivas e
cantares...
E
a dona Floripes, nessa loja de flores, disse aos cravos e às rosas: “vão chegar
dias melhores”...
Militares da EPC na Ribeira das Naus, às 6h45min
Tinha
um filho na guerra e outro, em Paris exilado, e sonhava com o dia de os ter de
novo, lado a lado...
À espera da rendição no Largo do Carmo, pelas 18h do dia 25 de Abril de 1974
Esse
dia estava perto, e ela bem o sabia, por isso limpou as lágrimas e colou-se à
telefonia...
As
notícias eram boas e fresquinhas como cravos, e a alegria nas praças custava
poucos centavos.
Salgueiro Maia frente a um tanque M47 que entretanto aderiu às forças revoltosas
Os
cravos eram baratos e toda a gente os queria, tinham a cor garrida da festa e da
poesia...
E
a D. Floripes recordou com comoção, as palavras de seu pai, numa carta da
prisão...
Militares da EPC concentrados na Rua Áurea pelas 10h do dia 25 de Abril de 1974
Eram
palavras sentidas, com o gosto da verdade, eram do pai a dizer-lhe quanto
queria a liberdade...
Às 14h, tanque M47 dos revoltosos, na Calçada do Sacramento
Isso
tinha acontecido quando ela era criança, mas esse tempo de dor, ficara-lhe na
lembrança...
Chaimite Bafatá frente ao Terreiro do Paço, entre as 7h e as 7h45min
Quando
o pai foi libertado, levou-a pela cidade, segredando-lhe ao ouvido: "hás-de ver
a liberdade”...
Largo do Município pelas 9h do dia 25 de Abril de 1974
E
a promessa cumpriu-se nessa manhã de Abril, ainda sem computadores nem novelas
do Brasil...
Uma
campainha soou, estava o telefone a tocar, era o filho de Paris a dizer que ia
voltar...
À frente da sua loja vinha um tanque a passar, ela saiu do balcão e veio para a
rua, acenar...
Mas
vinha de mãos vazias e algo queria oferecer aos soldadinhos valentes que a faziam
renascer...
Militares em posição de combate, no Largo do Município às 8h de 25 de Abril de 1974
Foi
então pegar no cravo que estava ali a espreitar, e foi pô-lo na espingarda que
trazia um militar...
Rua Garret às 14horas
O
soldado agradeceu, com o rosto iluminado e levantou bem alto o cravo, no seu
tanque engalanado...
Era
um cravo de paz em arma de fazer a guerra, era a flor desejada p’ra enfeitar
esta terra...
E
a D. Floripes tomou uma decisão: abriu as portas da loja à festa da multidão...
E
disse com um nó na voz: “fazem o favor de entrar pois eu tenho aqui fresquinhos,
muitos cravos p’ra vos dar”...
Panhard no Terreiro do Paço, pelas 7h30m
O
negócio não contava nesse dia sem ter par; deu cravos a toda a gente que ali
via passar...
E
sabia que esses cravos iam ter destino certo, nas armas e nas lapelas de quem passava
ali perto...
Cada
cravo era um instante da sua grande alegria, queria inundar Lisboa com cravos
de poesia...
Chaimite posicionado no Arco da Rua Augusta
E
o cravo desta história que aqui se conta rimada, foi símbolo da festa nascida
de madrugada...
Lá
passou de mão em mão entre o Carmo e o Rossio, era um cravo esvoaçante a
espreitar ao fundo o rio...
Largo do Carmo pelas 18h40m. Manobras com a Chaimite Bula para a retirada de Marcelo Caetano.
Saldanha,
Restauradores, depois Marquês de Pombal, correu a cidade toda, numa volta
triunfal...
Os
soldados, os capitães da guerra já fatigados, trocavam balas por cravos, com os civis abraçados...
Rua Áurea, pelas 10h
E
o cravo desse Abril lá ouviu de novo na telefonia a voz do Zeca, com uma nova
melodia...
Era
a nova melodia de um Portugal já mudado, “traz outro amigo também”, com um cravo engalanado...
E
do cano da espingarda que era metralhadora, o cravo da nossa história foi p’rás
mãos de uma senhora...
Largo do Carmo pelas 19h, com a saída de Marcelo Caetano
E
daí passou depressa p'rá lapela de um estudante, que o deu a um operário que
caminhava adiante...
E
esse, por sua vez, foi dá-lo a uma menina que brincava às escondidas com a irmã
pequenina...
EBR posicionada frente ao portão do quartel do Carmo, pelas 16h
E
de tanto viajar de umas mãos para outras mãos, o nosso cravo de Abril fez dos
amigos, irmãos...
Irmãos
num sonho antigo vivido a muitas cores, e agora a guerra de África era batalha
de flores...
Chaimite de reconhecimento na calçada da Ajuda, pelas 18h do dia 26 de Abril de 1974
Já
não era a preto e branco, este país renascido, coloria-se em festa por tudo
fazer sentido...
E
o cravo desta história lá ficou d'atalaia, até chegar à lapela do capitão Salgueiro
Maia...
Era o homem dos tanques que vinha de Santarém e fez render o terror que andava num vaivém...
O
cravo de praça em praça foi tingindo de alegria, o rosto de uma cidade com asas
de poesia...
Retrato apeado de Salazar, na sede da PIDE/ DGS, pelas 15h de 26 de Abril de 1974
Trouxe
do mesmo molho outros cravos bem garridos, um por cada chaga de tantos anos
sofridos...
Rua Áurea pelas 10h enquanto as forças revoltosas contêm a multidão que se vai reunindo
E
a loja ficou vazia de cravos nessa manhã, que se encheu com aromas de alecrim e de romã...
E
a D. Floripes foi à Praça da Ribeira encomendar muitas dúzias sempre à mesma
vendedeira...
Na Rua do Arsenal pelas 10h, no momento em que blindados das forças revoltosas se depararam com uma barreira de blindados M47, afectos ao regime
Queria
alguns de reserva para entregar à chegada, aos filhos que iam voltar numa data
anunciada...
Militares da EPC na Rua Áurea
Queria
também alguns para pôr na sepultura do pai sempre lembrado com saudade e com
ternura...
Terreiro do Paço pelas 10h como capitão Salgueiro Maia num M47 fiel ao regime, acabado de se render pacificamente e se juntar às forças revoltosas
Este
dia festejado era o seu afinal chegado, com muito atraso às praças de Portugal...
Aspirante Sampaio posicionando a EBR no Largo do Carmo, às 16h
E o cravo desta história em vez de morrer cedo, durou ainda uns dias sem revelar o
segredo...
Mas
o segredo era só um e bem fácil de contar: a água que o conservava era da fonte
do olhar...
Ribeira das Naus pelas 10h com manobras de reintegração e posicionamento dos M47 até então fiéis ao regime
E
esse dia vinte e cinco, eterno no calendário, lá fez entrar na história, um cravo
solitário...
Solitário
mas cercado de irmãos muito fiéis, que entraram a seu lado nas paradas dos quartéis...
Manobras da chaimite Bula pelo Largo do Carmo às 18h50m
E
esse cravo de Abril, de uma loja de Lisboa, lá passou de mão em mão como um notícia
boa...
Cais das colunas pelas 9h frente à fragata F-743 que entretanto deixou de constituir ameaça para as forças revoltosas
Não
murchou nas espingardas nem tão pouco nas lapelas e enfeitou os sorrisos das
crianças às janelas...
Chaimite de reconhecimento comandada pelo tenente Santos Silva
E
sendo cravo de Abril, no bico de um verde-gaio voou de praça em praça até ao Primeiro de Maio...
Ribeira das Naus pelas 10h, aquando das negociações para a rendição do major Pato Anselmo
Era
uma vez um cravo nascido no mês mais puro, com pétalas de esperança e perfume
de futuro..
Ribeira das Naus pelas 10h aquando da rendição do major Pato Anselmo
E
uma pétala que eu guardo dentro de um livro antigo, é a lembrança viva desse
tempo tão amigo...
Ribeira das Naus pelas 10h30, nos momentos cruciais da rendição do major Pato Anselmo
Amigo
das coisas boas, dos sonhos com vozes de ouro, das estrelas que amanhecem com
um brilho de tesouro...
Largo do Município pelas 8h45 do dia 25 de Abril de 1974
E
a D. Floripes que deu cravos na cidade, ainda chora se lhe lembram o Dia da Liberdade...
O
cravo murchou, morreu... porque um cravo não se ilude e sabe que é só exemplo para
acordar a juventude...
Terreiro do Paço pelas 8h30m quando à civil e encostado à chaimite, o tenente Nelson Santos, comandante do corpo de Alunos da Academia Militar vigiava atentamente os movimentos no Ministério do Exército
E esse
cravo de Abril renasce todos os anos, com o aroma dos afectos para fazer novos planos...
E
no fundo p’ra nos lembrar que Abril não acabou pois não é só uma data... mas o
futuro que começou...
No Cais das Colunas quando pelas 7h3om uma EBR apontava a boca de fogo na direcção ao Cais do Sodré
O
que trago na lapela é filho de um outro cravo que no peito de um soldado, foi
de todos o mais bravo...
Junto ao Ministério do Exército pelas 9h de 25 de Abril de 1974, quando um graduado da PSP se dispõe às ordens de Salgueiro Maia.
E neste álbum antigo, na velha fotografia, é a flor que soletra o nome da poesia...
Retrato apeado de Marcelo Caetano, no gabinete de Silva Pais
Era
uma vez um cravo numa história sem idade, e eu, ao lembrá-lo em verso, escrevo sempre, Liberdade...”
José Jorge Letria
1 comentário:
Que bela homenagem aos heróis de 25 de Abril,aos que morreram na guerra ,aos que partiram à procura de um Mundo melhor,aos presos políticos , aos poetas e cantores de intervenção ao POVO PORTUGUÊS que tanto sofreu!
Que este ,outros blogues e toda a comunicação social despertem consciências .
Um abraço amigo cidadão abt.
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